COISAS DESIMPORTANTES


Miriane Willers

Pertenço à legião que ainda trabalha mais de dez horas por dia. Nas horas que sobram no relógio, estudo. Serviço público e educação. Persigo o ideal de contribuir com o bem da coletividade; com a pedagogia humana, autônoma e comprometida com a formação de jovens preparados e dispostos a pensar, escolher, competir, transformar a realidade e a virtualidade, em espaços solidários e igualitários. Crente estava de que cumpria meus deveres e ideais, até que numa noite dessas, em que propus em sala de aula, atividade acadêmica preparada com arte, Maju contrariada provocou:
– Só a senhora tem tempo para essas coisas desimportantes!
Santa ignorância! Não sei se minha ou dela! Mas, a afirmação ingênua e ingrata levou à reflexão sobre as atividades laborativas em geral.
O mundo do trabalho sofreu transformações ao longo da história: das fábricas ao home office; das máquinas à inteligência artificial; do trabalho braçal ao intelectual; dos trabalhadores ocupando 15, 12, 10, 8 horas do dia com as atividades laborativas à geração “nem-nem”. As pessoas ainda têm dificuldade de lidar com o tempo livre. São acometidas pelo tédio. Para muitos (até há pouco, inclusive eu mesma!), o trabalho é tudo na vida – dinheiro, segurança, poder, dignidade, pertencimento, possibilidade de consumo. Até que ponto, isso é qualidade de vida?
Isso me faz lembrar do Ex-presidente do Uruguai, José “Pepe” Mujica, ao defender que “quando você vai comprar algo não paga com dinheiro, paga com um tempo de sua vida que teve que gastar para ter esse dinheiro”. Quantos momentos felizes, amizades, amores, liberdade foram sacrificados em prol do trabalho. E a vida passa! E as pessoas partem...E os afetos se dispersam...Essa reflexão não é defesa à acomodação, à preguiça, à vagabundagem! Mas, tentativa de repensar atitudes para viver mais e melhor, sem dedicar-se tanto aos outros, que inclusive dispensam nossa dedicação. Trabalhar e viver com parcimônia, talvez seja o segredo.
Ou talvez, a sabedoria esteja em praticar o ócio criativo, defendido pelo sociólogo italiano Domenico De Masi. Trabalho, estudo e lazer: eis a tríade perfeita! Trabalhar, mas reservar tempo livre para a cultura, viagens, repouso, esporte, ginástica, meditação...Segundo De Masi, isso é possível gastando quase-nada: “passear sozinho ou com amigos, ir à praia, fazer amor com a pessoa amada, adivinhar pensamentos, os problemas e as paixões que estão por trás dos rostos dos passageiros do metrô, admirar as fachadas dos prédios e as vitrines das lojas, assistir um festival de televisão, ler um livro[...], assistir um pôr-do-sol ou o nascer da lua[...].Em suma, dar sentido às coisas de todo dia, em geral lindas, sempre iguais e diversas, e que infelizmente ficam depreciadas pelo uso cotidiano”. Tão importante apreciar as coisas singelas e invisibilizadas pelo corre do dia.
Por causa da dedicação insana e exclusiva aos afazeres, a vida passa despercebida. O convívio, a introspecção, a distração, a solidariedade, a alegria, a amizade perderam a relevância nesse mundo globalizado, capitalista e caótico – onde o que importa é o trabalho alienado e alienante. Valores que precisam ser resgatados! Então, viva o ócio criativo! Viva a provocação da Maju! Viva as coisas desimportantes!

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Miriane Willers

E-mail: mirianew@yahoo.com.br

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