Miriane Willers
Hoje deixei de lado a literatura, a arte, a música e fui ao dicionário buscar o significado da palavra amor. O Houaiss conceitua-o como atração afetiva ou física, adoração, veneração, afeto, carinho, ternura, dedicação. Além disso, o amor pode significar aventura, caso, namoro, ato sexual, demonstração de zelo, fidelidade, apego a algo que dá prazer, paixão, fascínio.
Qual foi a noção de amor para Mirnes?
Recorrer ao dicionário para entender o sentido de uma palavra é fácil. Díficil é compreendê-la em sua complexidade prática, como o amor, sentimento tão multifacetado. Quando os casais iniciam um relacionamento, na maioria dos casos, há atração, paixão, o prazer de estar juntos, a sedução, o ato de descobrir – corpo e alma. No começo, há uma incrível sensação dopaminérgica que provoca euforia, recompensa, motivação. Já sentiram isso? Espero que sim.
A ciência estima que doze áreas do cérebro estão envolvidas, quando nos apaixonamos. A forma de olhar ou pensar em alguém desencadeia adrenalina, dopamina, serotonima, oxitocina e vasopressina. E movida pela experiência, penso que produz também cegueira figurada, que nos incapacita para ver os defeitos do outro.
Será que foi isso que aconteceu com Mirnes em relação ao seu parceiro?
A paixão, dizem, é passageira e que o amor de convivência e responsável pode durar por tempo indeterminado. As estatísticas não mentem. Dados divulgados em 2024 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstraram que os divórcios bateram recorde e chegaram a 420 mil no Brasil – números de 2022. A escolha pela separação – consensual ou litigiosa – não pode ser um problema. Mas, nem sempre é assim.
Infelizmente, há situações em que a relação é permeada pela posse, desconfiança, palavras ferinas, agressões, silêncio. A parceira? Virou vítima. O sentimento, medo e dor. O companheiro não aceita o rompimento e com as mãos que fazia amor, agora fere. A mulher despercebe e nega a violência por amor aos filhos, por vergonha, por desconhecer seus direitos, por não ter para onde ir... Até que um dia, encorajada, denuncia e pede medida de proteção. Precisa de uma rede que abrace, acolha e aponte caminhos para a cura das feridas por dentro e por fora. Rede que não enreda, que não tem falhas, tecida por gente, com o coração.
Mirnes e tantas mulheres machucadas pelo não amor sucumbiram à ausência de apoio e proteção.
A ONU Mulheres Brasil divulgou em novembro passado que uma mulher ou menina é morta a cada 10 minutos no mundo, por seu parceiro íntimo ou membro da família. Tristes e vergonhosas estimativas globais. A violência contra as mulheres precisa ser tema recorrente nos debates públicos e privados. Na escrita. Na arte. Na política. Por isso, me repito e insisto.
Para que o destino de tantas Mirnes espalhadas pela terra, seja outro.
Nas palavras de Sima Bahous, diretora executiva da ONU Mulheres “A violência contra mulheres e meninas não é inevitável – é prevenível. Precisamos de legislação robusta, coleta de dados aprimorada, maior responsabilidade governamental, uma cultura de tolerância zero e mais financiamento para organizações de direitos das mulheres e órgãos institucionais”. O debate, o grito, a denúncia, o acolhimento, a proteção – uma por todas e todas por uma – também são fundamentais para evitar a manchete nos noticiosos matutinos: “ GUERREIRA, MÃE DEDICADA E TRABALHADORA: QUEM ERA A MULHER MORTA POR 25 FACADAS EM IMBÉ”.
Mirnes agora é apenas mais uma manchete.
(Crônica produzida na Oficina Musaico 2025, da Santa Sede)