Miriane Willers
Apesar das horas líquidas e engolidas pelos múltiplos afazeres, o dar conta de tudo e o imediatismo é necessário abrir uma fresta no dia, para que os sentimentos atravessem como um filamento de luminosidade e esperança, ofuscando a poeira. É o que faço agora...
Os sentimentos têm textura, cor, sabores, cheiros. São tempero e significado no cotidiano. Escolho alguns que são, pelo menos para mim, a essência de ser, estar e existir.
Começo pela gratidão, que se transfigura, primeiro, na beleza amarelo-claro do amanhecer. Nas pequenas vitórias; no abanar da cauda do salsicha de estimação e seu olhar amendoado e afetuoso; o café; da vizinha, o bom-dia; a louça limpa na pia da cozinha. Há também a gratidão com tons intensos e alaranjados, colorindo a benção do trabalho cumprido no final da tarde e/ou quando a noite se entrega ao cansaço. Conquistas diárias e silenciosas, por menores que sejam, merecem serem sublinhadas. São as pequenas e desimportantes tarefas que revolucionam o mundo. Agradecimento é malha delicada que se ajusta ao corpo e à oração.
Da chita colorida é feita a amizade. Simples, sem o glamour que intimida, sem subterfúgios e invenções. Estampa floral e alegre, força, presença e leveza. Ser amigo não custa quase nada; só tempo para escutar; riso solto; confidências doces e, às vezes, salgadas ou apimentadas. Conversas regadas a vinho. A amizade é tecida com as linhas da alma.
Na vida também é preciso ter amor-próprio: linho azul do respeito a si mesma. Atemporal, confortável, capaz de absorver a positividade, a doçura, a calma. Nos conecta com o divino, com o outro. Respeitar-se é olhar com gentileza para as qualidades e defeitos, ganhos e perdas, passado e futuro. Concordo com a Clarice Lispector: “Tenho meus limites. O primeiro deles é meu amor-próprio”. O amor-próprio é cura para a juta da solidão.
Amando-se a si é possível amar o outro. E esse amor é arco-íris. Vermelho-excitação-energia. Laranja-prazer; amarelo-iluminação; verde-tranquilidade; azul-paciência; anil-conhecimento; violeta-mistério-espiritualidade. Amor tem cheiro de primavera, primeira vez, terra molhada. Abraço amado é lã aconchegante. Olhar de cetim, brilho e estrelas. Toque de veludo, que acalma e seduz.
Também sou apegada à Justiça – seda lilás. Poder feminino. Longe de mim arbitrariedades, autoritarismo, desmandos. Prezo pelo equilíbrio, diálogo, igualdade, respeito aos direitos de todos. Não há justiça onde a democracia se arrasta maltrapilha.
Assim como a gratidão, a amizade, o amor-próprio, o amor pelo outro e a justiça, muitas outras emoções e valores são fundamentais no alicerce do que somos: honestidade, inspiração, serenidade, admiração, respeito, saudade, alegria etc. Os antônimos são cinza, descoloridos, desgosto e dor.
Abrir frestas para o sentir é sobreviver ao caos lá fora. Como fiz agora, através da escrita.